Histórias outras que não a minha

Os livros foram meus parceiros nos longos períodos de recuperação das minhas operações, mas muito mais do que isso eles abriram os meus olhos para a grandeza e variedade do mundo.

Eu lembro perfeitamente o momento em que a leitura me conquistou.

Sou de uma geração alfabetizada em casa, pelos parentes. Ir para a escola antes da primeira série era coisa de rico. Aprendíamos o bê-á-bá na mesa da cozinha, ente caroços de feijão e cascas de alho. A coisa era séria e doída. Tinha horário e tempo certo. Letras escritas em quadradinhos de papel, caderno de caligrafia e uma escova de roupas por perto, que agia impiedosamente em casos de falta de atenção. E não, não fiquei com sequelas psicológicas, traumas profundos de aversão às letras, ataques de pânico com frases compostas. Não é o método que indicaria, e nem minha amorosa tia, que impingia as sílabas e os castigos, se orgulharia anos depois da pedagogia aplicada. Ela apenas tinha passado adiante do jeito mesmo que tinha aprendido.

À força da necessidade, minha de não sentir a madeira áspera da escova em minhas finas mãos de cinco ou seis anos, decorei metódica e aplicadamente as consoantes e vogais, solitárias e em sequência, necessárias à uma construção que se faria inteligível em algum momento, mas que nada me dizia. Minhas aulas domésticas findaram, mas a língua das letras continuava muda para mim.

Aos sete anos entrei na primeira série de uma escola de fato, com colegas, uniforme de camisetas com brasão, saia de pregas tantas a voltear minhas finas pernas, meias até o joelho e pesados sapatos pretos brilhantes de graxa.

Na chegada nos encontrávamos em filas para cantar o Hino Nacional à distância de um braço do colega da frente ao mesmo tempo em que fazíamos amizades, inimizades e declarações de amor em flertes infantis.

Lembro das carteiras em sala de aula cujas cadeiras eram grudadas na mesa de trás, nos obrigando a distâncias simétricas e boas o bastante para nos permitir conversar sobre nossos personagens favoritos do Vila Sésamo. A professora era a mesma para as quatro matérias e nos chamava de docinhos de coco, o que me causava desgosto, visto que doce de coco não era dos meus preferidos.

Recordo dela preenchendo o quadro negro com as sílabas, já minhas conhecidas, e de por isso eu quase não dar atenção, visto que já me sentia dominando o assunto e, portanto, muito da sabida.

Enquanto as sílabas passeavam na lousa e começavam a dar as mãos para caminharem juntas formando novos códigos o processo ainda me entediava e parecia que seguiria assim. Ah, ok! Letras quando se juntam formam sílabas, sílabas quando juntas formam palavras da mesma forma que formávamos pares e trios na entrada e saída, indicando preferências de amizades que podiam se desfazer no próximo jogo de passa anel. Jogo que me aborrecia tanto quanto pois minhas preferências se inclinavam em jogos de piratas e conquistadores, onde eu era, obviamente, a pirata ou a conquistadora.

Até o dia em que, entre uma conversa com o colega da frente ou o de trás, imaginando o próximo país a ser conquistado, os signos do quadro negro prenderam minha atenção. Uma linha contínua estava formada com muitas letras, e pares de letras, e espaços e pares e trios formando unidades e meus olhos ficaram presos naquele quadro. E eu não estava mais na sala, nem as conversas e aventuras com os colegas existiam. Aquilo à minha frente era uma frase e fazia sentido. Foi como descobrir um superpoder, ou atravessar um portal. Eu podia fazer aquilo, e entendia aquilo. Lembro de sair da escola e ler a placa do ônibus que me levava pra casa, e na rua ler as placas de anúncios, os outdoors que cobriam São Paulo, o nome do prédio onde morava. E chegar em casa e pegar as revistas Manchete e Cruzeiro e conseguir ler as chamadas, as matérias e ver um mundo de possibilidades, de histórias que surgiam. Histórias outras que não a minha. De pessoas diferentes e de outros mundos. Abri o armário que tinha ao lado da porta da rua, e que parecia uma porta de rua também, mas dentro era cheio de prateleiras onde ficavam os livros que possuíamos, que não eram muitos, mas eram inúmeros para mim naquele momento.

E foi assim que o primeiro livro que li foi “Mary Poppins”. Lembro de uma capa azul escuro e de um livro cheio de letras, ilustrado pontualmente em início de capítulos, o que não o tornou menos interessante, ao contrário. Era atrás das letras mesmo que eu estava. E lembro do deleite que senti ao mergulhar naquelas letras, que formavam palavras e do encantamento por palavras que criavam uma história. Uma história de coisas que eu não sabia antes, de uma mulher que voava com um guarda-chuva, que tinha amigas cujos dedos viravam pirulitos, que não era bonita, mas fazia mágicas incríveis onde aprendíamos a nos tornar melhores, que desafiava padrões.

Mergulhei de forma irremediável em um universo sem fim de livros e mais livros, que me atraía porque me apresentava o que eu não conhecia, no qual pessoas feias e corcundas podiam ser boas, pessoas belas podiam ser más, onde crianças não cresciam ou cresciam demais e depois diminuíam, onde rinocerontes falavam, espigas de milho eram nobres. Conheci sacis, mulas, iaras e todas as lendas brasileiras. Li tantos livros policiais até ser capaz de desvendar o assassino antes da última página, atravessei continentes, me alimentei de banquetes e de feijões em lata. Vesti roupas suntuosas e maltrapilhas, chorei com amores impossíveis em romances açucarados, até descobrir que eles só eram impossíveis para me fazerem chorar e depois tudo ficava bem.

Os livros foram meus parceiros nos longos períodos de recuperação das minhas operações, mas muito mais do que isso eles abriram os meus olhos para a grandeza e variedade do mundo. Variedade de gostos, personalidades, culturas, possibilidades de vida. E o que mais me atraía era o diferente que eu encontrava nessas páginas, era poder viver outras vidas para além da minha, era compreender ao longo das páginas que, apesar de diferentes também éramos todos muito parecidos. Nos desejos, nas inseguranças, nos medos e descobertas. E com isso me ajudaram a ser mais eu mesma, a entender minhas limitações e possibilidades ao conhecer o diferente que também era igual.

Crip Camp: Revolução pela inclusão

Produzido por Michele e Barack Obama, documentário da Netflix conta a história de um grupo de jovens com deficiência que mudou a história ao liderar ativismo pela inclusão em busca de um mundo com mais igualdade

Pense em um grupo de jovens adolescentes com os mais diversos tipos de deficiência, juntos em um acampamento e sem nenhuma supervisão de adultos super-protetores. Poderia ser o caos, mas foi o caminho de libertação e independência.

O acampamento Jened foi aberto em 1951 e era um acampamento para jovens tradicionais. Na esteira da revolução hippie e dos ares de Woodstock, se transformou em um local libertário e sem dogmas. Deu um passo a mais ao se tornar um local que recebia jovens com deficiências físicas, de moderadas a severas, como dificuldades de locomoção, controle motor e de fala. De adultos o dono do local, fulano de tal, e jovens monitores, tão em busca da liberdade quanto seus hóspedes.

O documentário tem dois momentos distintos e igualmente importantes. A primeira parte mostra o convívio, as descobertas e conversas desses jovens, pela primeira vez longe de suas famílias, da vigilância amorosa e, entretanto, castradora dos pais. O que vemos são meninos e meninas com angústias comuns aos adolescentes, acrescidas de dúvidas sobre suas capacidades e de qual seria o caminho para conquistarem independência e amor-próprio. Medos como morrer virgem, conseguir uma namorada, ser reconhecido como legal, inteligente e capaz permeiam rodas de conversas nas quais todos têm direito a voz, mesmo os que têm enormes dificuldades na fala. Eles dançam, cantam, jogam, fumam e paqueram. Para muitos é a primeira vez em que podem ser quem realmente são. Adolescentes se descobrindo.

Dessa convivência marcante para todos nasce a segunda fase, em que eles entendem que precisam de ferramentas sociais para serem de fato integrados. Estamos falando de uma época em que pessoas com deficiência eram enviadas para instituições, apartadas da vida social e tratadas de forma desumana, crianças não eram aceitas em escolas por andarem de cadeiras de rodas. O destino comum era serem escondidos em casa, ou longe dela, negadas as possibilidades de inclusão e chances de aprimoramento pessoal.

Esses jovens começam um movimento pela conquista de direitos das pessoas com deficiência, liderado por Judy Heumann, como rampas nas calçadas, prédios acessíveis, acesso ao ensino. Em uma luta de anos contra o descaso e a indiferença que culmina na invasão do prédio da Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar de San Francisco, por 25 dias ininterruptos, até a aprovação da Lei que lhes garantiria o mínimo de direitos. 25 dias nos quais pessoas com paraplegia, dificuldades de fala, locomoção, visão, se ajudaram mutuamente dormindo em colchões no chão e em corredores, socorridos em alimentação pelos Panteras Negras, uns auxiliando aos outros em uma corrente do “eu enxergo e você caminha”, que culminou na vitória e reconhecimentos de que eles eram cidadãos e que regras básicas de acessibilidade precisavam e deveriam ser implementadas para a plena participação de todos no conjunto da sociedade.

Filmado pelo sound designer Jim LeBrecht, um dos hóspedes do campo, o documentário é acima de tudo uma amostra de que os conflitos e desejos das pessoas com deficiência são os mesmos de qualquer pessoa.

Vale conferir!

Vem brincar na roda

Parque adaptado para crianças com deficiência

A ideia é simples. Onde brinca uma criança deficiente, brinca uma sem qualquer necessidade especial. Assim um parque adaptado serve para todos.

Idealizado por três jovens adolescente cariocas, o projeto AdaptaRio quer adaptar outras praças e parques com balanço e gira-gira acessíveis.

Cláudio Palhares, 17 anos, Luiza Ourivio, 18 anos, e João Roberto Duque Estrada, 17 anos, são voluntários na ONG One by One, que trabalha com crianças de baixa renda com necessidades especiais. Foi nessa convivência que sentiram a necessidade dos espaços lúdicos adaptados. O custo é relativamente baixo. Com 21 mil se adapta uma praça. Eles arrecadam dinheiro por meio da Vakinha ou com patrocínio.

Uma ideia boa, sensível e inclusiva, que pode ser adotada em condomínios ou patrocinada por empresas.

Conheça mais sobre o projeto:

https://www.adaptario.org/

Pedalando contra o vento

Pedalar faz bem ao PCD e ao planeta

A sensação de pedalar numa manhã de sol ou em uma tarde fresca, se locomover e apreciar ao mesmo tempo a paisagem, se sentir livre e no controle, está ao alcance também dos PcDs. Pedalar combate o estresse, emagrece, melhora o sono, reduz o colesterol, melhora a respiração e produz uma sensação de bem estar que te deixa mais feliz. Sem falar que contribuímos para não aumentar o aquecimento global. Se é bom para o planeta, é bom pra todo mundo.

Existem algumas possibilidades interessantes para diferentes tipos de PcDs. Você pode comprar sua bicicleta adaptada pronta ou pode mandar fazer sob medida para suas necessidades e limitações.

A Dream Bike atua na área desde 1993 e se especializou em veículos alternativos. Você encontra bicicletas adaptadas, triciclos e triciclos elétricos. E pode ainda encomendar um modelo ajustado às suas necessidades.

Existe também o projeto Bike Sem Barreiras, que leva bicicletas adaptadas de forma gratuita para diferentes capitais. Idealizado pelo Instituto Ser Educacional, da Univeritas, possui três tipos de bicicletas. A bike dupla, que serve para que pessoas com deficiência visual possam passear acompanhadas por um instrutor ou familiar. O triciclo, que pode ser guiado com as mãos e usado por pessoas com mobilidade reduzida ou deficiência motora. E a bicicleta The Duet, para pessoa com deficiência múltipla ou tetraplégica de até 120 kg. O projeto, totalmente gratuito, já esteve em Aracaju, Salvador, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, entre outras. Ele é realizado em parceria com instituições, universidades e prefeituras locais.

Conheça mais nos links e planeje suas aventuras outdoor.

http://www.dreambike.com.br/

https://www.sereducacional.com/

https://www.univeritas.com/

PCD também pode dirigir moto

O estilo Easy Rider disponível para pessoas com deficiência

Imagem divulgação.

Que existem carros adaptados, todo mundo sabe. Em alguns casos basta um carro automático como o que eu tenho por não ter força na perna esquerda. Em outros pode-se fazer a adaptação de toda a parte dos membros inferiores e ter o controle do carro apenas nas mãos.

Mas vocês sabiam que existem motos adaptadas? A grosso modo as motos adaptadas são triciclos, por conta do equilíbrio e estabilidade. Mas existem também motos nas quais pode-se subir com a cadeira de rodas, facilitando e dando ainda maior autonomia a pessoas com paraplegia. Com uma rampa acionada por controle remoto a cadeira é travada após subir e todo o controle fica nos manetes.

Algumas ainda tem o extra de um design lindo, a exemplo da criada por Enrico Battisni para a Honda.

Veja nos links abaixo locais para adaptar ou comprar a sua moto.

https://www.motosolsaocarlos.com.br/

https://hondascooterbrasil.com.br/honda-pcx-triciclo-para-cadeirantes/

https://hyperdivisionmobility.com/

Poesia para cegos

Um encantador boletim para cegos e pessoas com baixa visão

O português Helder Teixeira via os pontinhos em relevo nas caixas de medicamentos e nos caixas eletrônicos e foi tomado de curiosidade para saber como interpretá-los. Sem pessoas próximas com cegueira ou baixa visão lançou-se ao aprendizado de forma autônoma, em buscas no Google e comprando livros.

Daí surgiu-lhe a ideia, generosa e inclusiva, de criar o Boletim da Pauta, um boletim de poesia totalmente adaptado pessoas com deficiência visual. Executado manualmente, Helder convida poetas para incluir seus poemas a cada edição, os poemas são impressos em corpo 14 e, por cima, transcreve o mesmo texto em Braille.

Segurança de dia e editor do Boletim da Pauta nas horas vagas, Helder encontra no projeto uma satisfação pessoal de se sentir mais que a farda que veste e levar a poesia para tocar pessoas que poderiam não ter acesso.

O Boletim da Pauta é encontrado apenas em Portugal, mas está aí uma grande ideia a se trazer para o Brasil, que tem 3,5% de sua população com cegueira ou baixa visão.

O projeto de Helder é em si uma poesia a nos acalentar o coração.

@o_boletimdapauta

Navegar é preciso

Conheçam o projeto Sailing Sense, uma escola de vela para PcDs.

Conheçam o projeto Sailing Sense, uma escola de vela para PcDs

O Sailing Sense é um projeto brasileiro, idealizado pelo presidente Miguel Olio que em 2007, unindo seus conhecimentos como educador físico e sua paixão e experiência na Vela, começou a promover, de forma gratuita, vivências náuticas para as pessoas com deficiência (as) (surdocegueira, múltiplas deficiências sensoriais, autismo, surdez, cegueira e síndrome de Down), onde estes conduzem as embarcações, são responsáveis tanto pelo leme, dando direção ao veleiro, quanto pelos cabos e velas. Com estas ações trabalham pontos essenciais no desenvolvimento holístico destas pessoas baseado na tríade: autoconhecimento, prática de atividade física e empoderamento.


@sailingsense

http://www.sailingsense.com.br

Que tal fazer trilha de cadeiras de rodas?

O Ministério do Meio Ambiente doou cadeiras de rodas adaptadas para trilhas em 20 parques nacionais

O Ministério do Meio Ambiente doou cadeiras de rodas adaptadas para trilhas em 20 parques nacionais

Cadeiras de rodas especiais serão distribuídas em parques nacionais de todas as regiões

20 Parques nacionais começaram hoje a receber a doação de cadeiras de rodas adaptadas para trilhas.

Os parques que receberão o equipamento estão localizados no Distrito Federal, onde foi entregue o primeiro lote, Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.

É uma boa notícia para quem é PcD mas ama aventura e ar livre. Abre-se mais uma possibilidade de inserção no mundo do ecoturismo.

Cada cadeira suporta uma pessoa até 90 kg e pode também ser usada em situações de resgate para acidentados.

Exposição Yutaka Toyota com recursos de acessibilidade para deficientes visuais

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A Exposição YUTAKA TOYOTA – O Ritmo do espaço, em exibição no MAB FAAP, está equipada com recursos de mediação acessível para atendimento de público com deficiência visual, viabilizado por cadernos em braile e impresso com tipos grandes para baixa visão, monitores preparados para atendimento e acompanhamento do público e permissão para toque nas esculturas.

Nascido no Japão em 1931, Toyota chegou ao Brasil no final da década de 1950 e naturalizou-se brasileiro em 1971. Começou sua carreira como pintor logo recebendo alguns dos mais importantes prêmios do circuito de arte brasileiro, como o do Salão Esso, em 1965, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que o levou à Itália. A partir daí voltou-se para a escultura e suas obras adquiriram características óticas, cinéticas e imersivas – partido adotado até hoje. Aos 86 anos Toyota continua em pleno vigor criativo, sendo um dos raros escultores brasileiros a dominar a relação escala/espaço, essencial para a criação de obras ao ar livre. Não por acaso ao longo dos anos, ele semeou mais de cem obras públicas entre o Brasil e o Japão.

Com curadoria de Denise Mattar, a exposição YUTAKA TOYOTA – O Ritmo do espaço resgata esse percurso do artista, apresentando cerca de 80 obras, reunindo trabalhos dos anos 1960, uma recriação da instalação imersiva Quarto Escuro, da X Bienal, obras premiadas no Panorama do Museu de Arte Moderna de São Paulo, na década de 1970. A mostra traz ainda obras pertencentes a acervos de instituições como Museu de Arte Contemporânea de Niterói, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Palácio Itamaraty, Coleção Roberto Marinho, além de importantes coleções particulares.

Por mais iniciativas inclusivas como essa!

 

SERVIÇO

TOYOTA – O Ritmo do Espaço

Museu de Arte Brasileira da FAAP
Período expositivo: de 16 de junho a 02 de setembro de 2018
Endereço: R. Alagoas, 903 – Higienópolis, São Paulo – SP, 01242-902

Telefone: +55 11 3662-7198
Horário de visitação: Segundas, quartas, quintas e sextas: das 10h00 às 19h00 – última entrada às 18h00. Sábados, domingos e feriados: das 10h00 às 18h00 – última entrada às 17h00. Fechado às terças-feiras mesmo quando feriado.

Entrada: gratuita

 

Pelo México

Após o terremoto o México pulsa com dignidade e amor

Seco

(Foto: Alfredo Estrella/AFP)

Seco. Seco o espaço, seca a vida. Seca a terra rachada, partida, os prédios tombados, a poeira no ar se infiltrando em gretas, levando o murmúrio dos pedidos de socorro, de vidas que secam sob os escombros. Seca a pele do corpo, do rosto por onde escorrem lágrimas sem se deter porque estão sem força para molhar. Braços e pernas que saem de frestas por entre vigas, de onde não se veem os corpos que ainda as animam, como manequins a serem montados.

Na superfície do caos mãos passam, em linhas contínuas, pedras, água, baldes de terra, pedaços de histórias interrompidas. Em um segundo, punhos se elevam fechados, solicitando um silêncio de ouvir. Um coração foi localizado, barras de concreto são removidas, entre muitas cabeças puxa-se um corpo. Nos braços de alguém ele passa apressado. Os olhos marejam e secam rápido, retomam o fluxo linear. Revirar, retirar, buscar, encontrar, carregar.

O coração, este está úmido. Irrigando sem cessar para as artérias a vida que conecta e permanece em outras vidas, que juntas se se reinventam, se redescobrem e recomeçam a contar suas histórias.